Práticas teatrais na festa de são tiago (2020-2021): representação e memória
Festa de São Tiago; Mazagão Velho/Amapá; Memória; Representações; Teatralidade.
A Festa de São Tiago, realizada anualmente em Mazagão Velho (AP), constitui uma das mais expressivas manifestações culturais da Amazônia, articulando teatralidade, religiosidade e memória coletiva. O objetivo geral desta pesquisa foi analisar criticamente as práticas teatrais da festividade no período de 2019 a 2024, relacionando-as a um percurso histórico que remonta à antiga Mazagão africana e aos processos de reelaboração cultural no Amapá, com ênfase nas ressignificações ocorridas durante a pandemia de COVID-19. Os objetivos específicos consistiram em investigar os antecedentes históricos e culturais que originaram a Festa, analisar os efeitos das encenações na constituição de identidades e na manutenção da memória coletiva, e examinar, a partir das narrativas de participantes, as percepções sobre teatralidade, fé e afetividade em diferentes contextos. De caráter qualitativo e interdisciplinar, o estudo adotou metodologia etnográfica, com observação participante, entrevistas semiestruturadas e análise documental. O aporte teórico fundamentou-se em Halbwachs (1990), Nora (1993) e Ricoeur (2004) para a discussão da memória coletiva; Bloch (2001) e Vansina (2010) para a análise historiográfica; Aristóteles ([séc. IV a.C.] 2008) para a noção de catarse; Malinowski (1978) e Geertz (2008) para a etnografia; e Stanislavski (1989) para a autenticidade performática. Os resultados indicaram que as encenações da batalha entre mouros e cristãos ultrapassaram o caráter de espetáculo, funcionando como dispositivos de resistência cultural, atualização simbólica e transmissão intergeracional de saberes. Evidenciou-se que, mesmo em momentos de crise, como no período pandêmico, a Festa manteve-se viva por meio de reinvenções comunitárias, reafirmando sua relevância como patrimônio cultural imaterial do Amapá e como campo fértil para a historiografia amazônica. Concluiu-se que a teatralidade da Festa de São Tiago constituiu não apenas uma prática estética, mas também um mecanismo de continuidade histórica, de construção identitária e de resiliência cultural, oferecendo subsídios valiosos para os estudos de memória, história e artes na Amazônia.